A Tabla montou uma lista com cinco curiosidades sobre o livro ganhador do Prêmio Turjuman 2021: Onze astros, do poeta palestino Mahmud Darwich. Concedido pela Sharjah Book Authority, o Turjuman Award é o maior prêmio para a tradução da literatura árabe em todo o mundo, e foi a tradução primorosa de Michel Sleiman, do árabe para o português, que nos conferiu esta honra.

Onze astros reúne seis longos poemas de Mahmud Darwich e foi publicado originalmente em árabe, em 1992, pela editora Dar Al Jadeed, de Beirute. O poeta reflete, entre outras coisas, sobre a pátria ocupada, sobre um povo que se vê desterrorializado dentro do próprio país, sobre as questões indígenas e sobre a luta de quem se encontra exilado em outra terra.

Darwich foi o poeta mais popular e proeminente do mundo árabe, admirado também em muitos países onde sua obra foi traduzida. Foi, e ainda é, mesmo depois de sua morte em 2008, o poeta nacional da Palestina.

Confira a lista de curiosidades sobre Onze astros:

1. O livro de um poeta do mundo

Onze astros coloca Darwich como o poeta que fala do mundo. Sua poesia é uma antena ou radar que capta pequenos sinais da História da humanidade, registrando-a nos pequenos e nos grandes ciclos. O livro rompe com os referenciais estritamente locais para colocar a Palestina como um espelho do mundo que se reflete na terra palestina, a sua, e nos eventos ali decorridos. As referências históricas, de 4 a 5 mil anos atrás, revelam ao leitor a dimensão temporal e mítica da obra.

2. Por que “Onze astros”? 

Genesis 37:9: Tive outro sonho, e desta vez o sol, a lua e onze astros se curvavam diante de mim.

Alcorão 12:4: Quando José disse a seu pai: Meu pai, vi em sonho onze astros, o sol e a lua os vi diante de mim prostrados.

A referência do título está na Bíblia e no Alcorão. O pequeno José, filho de Jacó de seu casamento com Raquel, tinha a capacidade de decifrar enigmas e prever o futuro através da interpretação dos sonhos. Num deles viu o sol, a lua e onze astros inclinarem-se diante dele em reverência à sua pessoa. Enciumados, seus irmãos mais velhos vendem-no a uma caravana de egípcios. Tempos mais tarde, em situação privilegiada no Egito, o homem José acaba socorrendo toda a família de Jacó que padece de fome na Palestina e, graças a isso, a linhagem do pai se perpetua. Com Darwich, a metáfora alcança a sionistas e palestinos, a andalusinos e ibéricos, a ibéricos e ameríndios, e assim por diante, como se o episódio do texto religioso hebraico, reafirmado no texto religioso árabe, se espraiasse no tempo e no espaço do duplo História-Poema, atualizando-se esse mito, e outros tantos, ad infinitum.

3. Os referenciais de  1991/1992 

Quinhentos anos antes de 1992, Colombo, que buscava as Índias a serviço da coroa espanhola, chega à América para tomar uma terra habitada por diferentes povos que tinham uma longa tradição local. Onze astros estabelece um paralelo de tal invasão com as invasões progressivas nas terras da Palestina, propulsionadas pelo sionismo, desde finais do século XIX, o que culmina na nakba, ou a tragédia palestina a partir de 1946, quando milhares de moradores locais são expulsos em nome de um novo Estado que não os queria.

Em 1991 começam a circular os manuscritos do Mar Morto, encontrados cerca de 50 anos antes, com versões apócrifas das escrituras bíblicas, tocando na questão das origens dos povos da bacia oriental do mediterrâneo.  

No mesmo ano, Bush pai ataca o Iraque com apoio da Inglaterra e Arábia Saudita. Darwich aponta Bagdá como sendo tomada por um  “novo Colombo”.

Ainda nesse ano, ou no começo do seguinte, o poeta reencontraria um amor antigo, (a “Rita” de seus poemas?), a israelense Tamari que o poeta deixou de ver desde que se exilou da terra natal em 1970. 

O ano de 1992 reaparece como referência à tomada da Granada andalusina pelos Reis Católicos, também quinhentos anos antes. Naquela data, o rei Boabdil perdeu definitivamente a cidade que governava e que foi o último baluarte da civilização árabe-islâmica na Europa, o Alandalus, como se chamaram antes muitos dos territórios que hoje pertencem a Portugal e Espanha. 

Por fim, também em 1992, Darwich viaja para a Jordânia, onde realiza um balanço de sua literatura antes de se mudar para a França, onde atinge a maioridade poética, segundo ele mesmo diz em entrevista.

Com Onze astros, publicado em 1992, Darwich reafirma sua condição de poeta dos sentimentos e dos conflitos humanos.

4. Os poemas e as outras Palestinas do mundo

“Eu disse mortos?

Não há morte.

Só troca de mundos.”

Seattle, chefe dos Duwamish

Onze astros é composto de seis longos poemas que têm temáticas diversas.

Um deles, “Onze astros no último céu andalusino”, toca a questão da traição e da acusação do drama de traidor e do traído. No poema, o rei muçulmano é compelido a entregar a cidade aos invasores que cercam os muros da cidade. O tema é a dor da saída da família real, sem que tenha havido um último combate em defesa da cidade. O drama do rei, no entanto, é percebido também como o drama do cidadão comum. É como se o poeta estivesse a falar da Palestina negociada nos chamados “acordos de paz de Oslo”, que seriam assinados em 1993 e percebidos por Darwich como impeditivos do retorno das famílias exiladas desde 1946.

Em outro poema, “Discurso penúltimo do ‘índio vermelho’ diante do homem branco”, Darwich se aproxima da questão dos índios americanos. A voz que protagoniza o poema é a do índio que aponta para a necessidade urgente de o homem se religar à natureza e de olhar para as divindades geradas no dia a dia, há milhares de anos, através da terra, do solo, da água, do ar, do céu… Trata-se de um poema telúrico e combativo. O Homem representa a natureza e é espelho da situação na Palestina, onde Gaza é um exemplo de terra estrangulada. 

5. Rita, um amor perdido e não reencontrado 

Rita é um nome fictício que aparece em alguns poemas de Darwich e parece se referir a um amor da juventude do poeta, que no livro é tema de “O longo inverno de Rita”. A história do amor juvenil foi interrompida pelas prisões que o poeta palestino sofreu devido a seu ativismo político, ao mesmo tempo em que a amada israelense ingressa nas forças armadas do país. Em 1992, encontram-se num lugar público em Paris e combinam outro encontro, mais íntimo, ao qual ele não compareceu. O poema insinua a união e a companhia de dois corpos esfumaçados pelo tempo, num jogo de presença e ausência dos amantes, em diálogos e narrativas que muitas vezes fundem os sujeitos, como a realidade mesma de dois hologramas, corpos perceptíveis, mas tocados por falta de concretude.

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