Correio noturno é o livro que deu à Hoda Barakat, em 2019, o International Prize for Arabic Fiction. É um romance contemporâneo em sua temática e em sua estrutura, ao mesmo tempo comovente e feroz. Correio noturno convida o leitor a acompanhar a escrita de correspondências interrompidas, jamais recebidas, sequer enviadas.

São cartas, confissões íntimas, que escancaram de maneira avassaladora a realidade de milhões de exilados do mundo árabe hoje em dia. Pessoas que têm, muitas vezes, sua humanidade roubada, que perambulam pelo mundo, em busca de sentido, de salvação, de redenção.

“Assim como a vida obstruída dos seus narradores, as cartas ficam inacabadas, mas se conectam e se somam às outras narrativas e existências que deixam vestígios e geram outros vestígios, como se o encadeamento entre as cartas pudesse originar um sentimento de comunhão, de escrita coletiva.”

Marcelo Maluf

Em última instância, Correio noturno fala do desamparo e das consequências sociais e psíquicas desse desamparo.

Para apresentar cada um dos seis personagens que dão corpo e alma ao livro, preparamos uma série de book trailers com trechos selecionados de cada carta, lidos em árabe por Safa Jubran, a própria tradutora do livro.


#carta1
Um imigrante ilegal escreve para sua amante em um pequeno apartamento.

“Aquele anoitecer ficou na minha mente, não importa que horas eram do dia. Era igual ao anoitecer quando o sol desaparece no horizonte, quando todas as criancinhas choram, todos os bons românticos ficam melancólicos, de Ihsán Abdel-Quddus a Rilke. Uma tristeza inexplicável que envolve as delicadas e belas criaturas.”


#carta2
Uma mulher madura redige sua carta enquanto espera um antigo amor em um quarto de hotel.

“Não estou aqui, neste quarto, para voltar para trás nem para vê-lo ou ver com você como eu era jovem ou o quanto a primavera era bonita e intensa no país. O país que já era, que caiu e quebrou como um grande vaso de vidro. Seria trágico, pura tristeza e grande amargura.”


#carta3
Um ex-torturador em fuga escreve para a mãe. “Esse é também um homem sacrificado pelo destino, a quem nem Deus nem os homens perdoarão.”

Eu… acho que ainda vou pensar sobre essa carta, se envio para você ou entrego em mãos, ou se devo destruir tudo o que escrevi porque contém confissões sinceras que podem me levar à forca ou à prisão perpétua. Amanhã decido.”


#carta4
Uma mulher escreve ao irmão para falar sobre a morte da mãe.

“Eu vou para a cozinha, preparo uma xícara de chá, paro na janela e olho para a noite, uma noite de estranha atmosfera, sem pertencer a nenhum lugar. Uma noite densa de alcatrão viscoso que gruda nas pálpebras e nas mãos. Esta não é minha vida.”


#carta5
Um jovem escreve ao pai doente com quem tem uma relação complicada.

“Ninguém pode se colocar no lugar de ninguém, quero dizer, completamente no lugar do outro, até porque há um detalhe importante: meu corpo, reflexo da minha alma profunda, é diferente do seu corpo, e isso, você considera uma traição a você.”


#carta6
Um carteiro redige sua carta derradeira.

“As pessoas já sabem que não há esperança de suas cartas chegarem ao destino e talvez nem escrevam mais nada! Porque quando os endereços desaparecem completamente dos bairros destruídos e nossas aldeias se tornam desertas, vazias de seus habitantes, a quem se vai escrever? E para qual endereço?”


Hoda Barakat é considerada uma das vozes mais poderosas da literatura contemporânea do Oriente Médio. Em 2000, a autora recebeu a Medalha Naguib Mahfouz de Literatura por O arador das águas (título provisório, a ser publicado pela Editora Tabla em 2021).

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